GRAMÁTICA
GRAMÁTICA
Declinações: da forma à ordem
O grego antigo é um dos ramos mais importantes do grupo linguístico oriundo das línguas indo-europeias. Foi o veículo de grandes obras da antiguidade, como a Ilíada e a Odisseia, além de ser a língua original de grandes poetas e dramaturgos, como Hesíodo e Safo, Ésquilo e Eurípides, assim como de grandes pensadores, como Platão e Aristóteles. Tão distante em data, a língua grega permanece exercendo imensa influência até os dias atuais em vários campos do conhecimento, até mesmo deixando suas marcas dentro da língua portuguesa. Nós, lusófonos, falamos grego diariamente sem perceber. Mas isso é outra história.
Quem se dedica ao estudo do velho idioma deve compreender uma característica vital da língua grega: as declinações. Para melhor entender esse ponto, observe a seguinte sentença: O homem matou o leão. Note que o significado dessa sentença é que o homem executou o ato de matar o leão, pois ali o homem é quem realiza a ação verbal, desempenhando, assim, o papel de sujeito: ele pratica a ação de matar, que se completa com o termo leão (termo da ação verbal), complementando o sentido do verbo matar sem uso de preposições, daí ser um objeto direto.
Mas o que aconteceria se invertêssemos a ordem dos termos dentro da oração? Teríamos, então, a sentença: O leão matou o homem. Neste novo arranjo mudanças semânticas sucederam-se em comparação com a primeira oração: esta segunda sentença informa que o leão é quem realiza o ato de matar o homem, sendo o homem aquele que sofre a ação. Nela, não só a ordem inverteu-se, como também o sentido, e por consequência, a função de cada termo. Dessa forma, o sujeito passa a ser o leão e o homem o objeto direto. Note que ambas as frases são compostas dos mesmos elementos, mas completamente distintas quanto à mensagem.
Isso ocorre pois o português é um idioma analítico (em oposição ao grego, que é sintético) e exprime frequentemente as relações sintáticas (função das palavras) pelo emprego da própria ordem das palavras da frase, ou seja, as funções de sujeito e objeto direto são reconhecidas pela posição respectiva dos termos na oração em relação ao verbo, antes ou depois dele. É a partir dessa lógica frasal que podemos compreender o significado das orações em português.
Já no grego ambos os enunciados podem ser expressos conservando-se na mesma posição as palavras, pois o que confere a função aos termos e, portanto, o sentido à mensagem, são as desinências apostas aos vocábulos - da mesma forma como ocorre em outras línguas clássicas de ascendência indo-europeia (como o sânscrito e o latim) e em algumas modernas, como as línguas eslavas. Línguas assim são denominadas sintéticas, por trazerem na forma da palavra certas modificações estruturais (sufixais normalmente) que refletem modificações sintáticas, o que determina sua função dentro do enunciado.
Dessa forma, nas frases ὁ ἄνθρωπος ἀποκτείνει τὸν λέοντα (ho ánthrōpos apoktéinei tòn léonta) e τὸν ἄνθρωπον ἀποκτείνει ὁ λέων (tòn ánthrōpon apoktéinei ho léōn), ambas têm a mesma ordem em grego (homem mata leão), mas têm significados diferentes. A primeira tem o sentido de o homem mata o leão; já a segunda, ainda que a ordem das palavras seja a mesma, na verdade significa o leão mata o homem. Acontece que em grego é a forma da palavra que indica sua função e, portanto, qual o sentido da oração como um todo. Essas alterações nas palavras ocorrem geralmente no final delas, por meio de sufixos.
Sendo assim, a frase em grego ὁ ἄνθρωπος ἀποκτείνει τὸν λέοντα, pode ser expressa em diversas combinações:
ὁ ἄνθρωπος ἀποκτείνει τὸν λέοντα
τὸν λέοντα ἀποκτείνει ὁ ἄνθρωπος
τὸν λέοντα ὁ ἄνθρωπος ἀποκτείνει
ἀποκτείνει τὸν λέοντα ὁ ἄνθρωπος
ἀποκτείνει ὁ ἄνθρωπος τὸν λέοντα
ὁ ἄνθρωπος τὸν λέοντα ἀποκτείνει
Por incrível que pareça, em todas essas variações o significado da sentença é sempre o mesmo: o homem mata o leão. Para se entender como isso é possível, observe as modificações das formas das palavras dos dois enunciados abaixo:
ὁ ἄνθρωπος ἀποκτείνει τὸν λέοντα
τὸν ἄνθρωπον ἀποκτείνει ὁ λέων
Note que ἄνθρωπος (1) passou a ser ἄνθρωπον (2) e λέοντα (1) passou a λέων (2). Tal mudança acontece pois na primeira oração o homem é o sujeito e a forma grega de homem enquanto papel de sujeito é ἄνθρωπος. Já na segunda oração, o homem cumpre a função de complemento verbal, objeto direto, e sua forma em grego para tal é ἄνθρωπον (as palavras ὁ e τὸν são formas do artigo masculino e manifestam as mesmas mudanças do substantivo analisado aqui, mas não estão em foco). Perceba que o que realmente muda em relação a ambos os enunciados é a porção final dessas palavras. Preste muita atenção às alterações das formas das palavras em grego, pois elas indicarão, na maioria das vezes, a função sintática dos termos e portanto os sentidos da sentença.
Por fim, retomemos novamente as duas orações:
ὁ ἄνθρωπος ἀποκτείνει τὸν λέοντα
τὸν ἄνθρωπον ἀποκτείνει ὁ λέων
Agora é com você: em que oração o leão é o sujeito em grego? E o objeto?
O termo gramatical para as alterações da forma das palavras em grego é caso. Os substantivos gregos têm uma forma diferente para cada caso (que são cinco), a depender da função sintática que exercem. Abaixo, na primeira oração, o sintagma de sujeito (artigo + substantivo) vem destacado em azul, e o de objeto direto (artigo + substantivo) em vermelho; na segunda, invertem-se as cores, as formas e as funções:
ὁ ἄνθρωπος ἀποκτείνει τὸν λέοντα
o homem (sujeito) mata o leão (objeto direto)
ὁ λέων ἀποκτείνει τὸν ἄνθρωπον
o leão (sujeito) mata o homem (objeto direto)
Se embaralhássemos cada uma das orações, mantendo as formas (e as cores), os resultados seriam sempre os mesmos. Perceba ainda que, embora haja maior liberdade na ordem das palavras em grego do que em português, como dissemos, há certos limites, por exemplo, não separar o artigo e o substantivo nem colocar o verbo entre eles.
Em grego, os casos recebem nomes especiais. Assim, o caso do sujeito é conhecido como nominativo e o caso do objeto direto é o acusativo. Em síntese, as formas das palavras em grego alteram-se de acordo com o papel exercido dentro da oração. Falaremos mais disso nas próximas edições.
REFERÊNCIAS
JOINT ASSOCIATION OF CLASSICAL TEACHERS. Aprendendo Grego: a edição brasileira do Reading Greek. Tradução de Cecília Bartalotti e Luiz Alberto Machado Cabral. São Paulo: Odysseus Editora, 2014.
MURACHCO, Henrique. Língua Grega: visão semântica, lógica, orgânica e funcional. São Paulo: Discurso Editorial; Petrópolis: Editora Vozes, 2001.
RAGON, Elói. Gramática Grega. Tradução de Cecília Bartalotti. São Paulo: Odysseus Editora, 2012.
SOBRE O AUTOR
Vanderlei Rezende Junior é aluno do quarto ano de Biomedicina na UEM e estudioso de línguas.