INSTRUMENTO DE PESQUISA
INSTRUMENTO DE PESQUISA
O Dicionário Grego-Português (DGP)
Quem se dedica à pesquisa em Língua Grega Antiga ou simplesmente se interessa pelo estudo de línguas clássicas pode contar com um excelente instrumento de trabalho em língua portuguesa. Publicado pela primeira vez entre 2006 e 2010, o Dicionário Grego-Português (DGP) é uma obra de referência na área que ganhou recentemente uma segunda edição, atualizada e revista.
Elaborado no Brasil por uma refinada equipe de professores doutores na área do Grego, todos ligados à universidade pública brasileira, o Dicionário Grego-Português tomou concretude em 1994, quando pela primeira vez tornou-se tema de uma comunicação em evento realizado na USP. A obra, contudo, só começou a ser publicada mais de dez anos depois, a partir de 2006, em forma de fascículo. Desde então, sua publicação foi regular, ano a ano, até completar o percurso de cinco volumes, de alfa a ômega (2006-2010). A publicação fasciculada permitiu já na ocasião aos coordenadores corrigir toda espécie de erros que a leitura ou o ensino em sala de aula pudesse detectar, o que foi vantajoso para o trabalho.
Tomando como base e inspiração para o formato brasileiro, a equipe analisou diferentes dicionários, especialmente o Grego-Francês de Bailly (versão integral e Abrégé) e o Grego-Inglês de Liddell e Scott (integral e Abridged). Levaram em conta ainda o dicionário Grego-Francês de Magnien e Lacroix, o Grego-Italiano de Montanari e o Grego-Espanhol de Adrados. Com atenção a tais obras e aos objetivos da edição almejada, a equipe recolheu aqui e ali diferentes lições, convergentes no geral com seus dois modelos principais, mas também divergentes. Pela qualidade e pela quantidade de fontes utilizadas, e pela competência dos envolvidos, pode-se afirmar que os objetivos foram plenamente atingidos, e o resultado foi de fato a produção de “um dicionário de finalidade prevalentemente pedagógica, destinado a todos os falantes que desejam estudar e aprender a língua grega ou ainda dela servir-se para compreender textos gregos nas diversas áreas do conhecimento” (Malhadas et alli, 2022, p.XI). E ainda:
O que se pretendeu muito particularmente foi a obtenção de uma obra que, sem abrir mão do rigor científico e metodológico, se marcasse pela clareza e simplicidade e oferecesse facilidade de consulta aos não especialistas, fornecendo respostas diretas, convenientemente dosadas para subsidiar as atividades de leitura e tradução do grego clássico e bíblico. (Malhadas et alli, 2022, p.XIII-XIV)
A equipe rende seus préstimos também ao dicionário Grego-Português de Pereira, publicado em Portugal, cujo papel foi importante no setor ao longo dos anos, mas “tem plena consciência de que em português nunca se empreendeu uma obra desse tipo” (Malhadas et alli, 2022, p.XIV). O porte da obra: cerca de 50 mil verbetes distribuídos em mais de 1.200 páginas. Coordenada por Daisi Malhadas, Maria Celeste Consolin Dezotti e Maria Helena de Moura Neves, com o projeto sediado na UNESP, campus de Araraquara, a equipe contava, no início, com doze docentes pesquisadores, oriundos exclusivamente de universidades públicas, mas totalizou dezoito membros ao final do projeto. Além dessa equipe, oito revisores trabalharam sobre a atual edição.
A versão brasileira apresenta a vantagem ao leitor lusófono de incorporar o vocabulário do Novo Testamento ou o grego bíblico. Além disso, o DGP apresenta informações etimológicas e explica verbetes complexos em quadros. Há exemplos em grego atestando os principais usos dos vocábulos focalizados. Há ainda entradas independentes para formas irregulares (nominais, verbais), o que é por vezes uma bóia jogada a um náufrago: se as formas são irregulares, como acertar a entrada do verbete, sem prática ou sem uma enorme perda de tempo? Pois a entrada das formas irregulares nos remete ao verbete principal. Notemos que tais decisões contribuem sem dúvida para o objetivo de um dicionário claro e de fácil consulta.
Gosto, em particular, da organização didática das preposições. Como elas regem diferentes casos, os verbetes apresentam seus usos em quadros a partir do caso regido. Com grande agilidade, portanto, é possível fazer uma consulta, percorrendo em seguida o conjunto de exemplos arrolados (e numerados) que atestam os usos das preposições e seus casos. Gosto ainda da qualidade das traduções sugeridas para os diferentes verbetes em vernáculo: o português praticado neste dicionário é, por si só, uma lição de língua, e revela uma amplitude lexical fantástica. Ficamos conhecendo bem, em excelente vernáculo, termos ligados à agricultura, política, religião, poesia, guerra, entre outros, termos enfim que constroem para nós o universo da cultura grega antiga.
Há um pormenor, que não é de somenos, e precisa ser destacado a respeito da equipe que produziu o dicionário. Dos 18 membros, 16 são mulheres, todas, como dissemos, docentes de universidade pública. Isso, por si só, não torna a obra feminista, mas garante que é feminina. E o aspecto feminino que se revela aí é certamente seu compromisso com educar, com a transmissão do conhecimento (rigoroso, científico, metódico), sua capacidade de organização com vistas à realização de grandes projetos.
Se o dicionário já ostentava elevada qualidade em sua primeira edição, agora, com a nova edição, que funde os 5 fascículos em um volume único, com revisão feita por uma equipe de pós-graduandos (ligados à USP e a uma universidade alemã), o dicionário tornou-se de fato uma obra-prima em sua edição mais recente, publicada em 2022 pela Ateliê Editorial em parceria com a editora Mnema. Parabéns também aos editores.
E para além da filantropia de uma publicação física da obra, está disponível online, desde há alguns anos (2017), uma versão digital do dicionário, que democratiza e dinamiza o uso da obra. O acesso ao dicionário e ao seu vasto léxico pode ser feito sem custos com apenas alguns cliques: basta acessar o endereço eletrônico (Dicionário Digital Grego-Português (unesp.br)), familiarizar-se com a digitação do grego, informação que aparece logo na página inicial, e navegar pelos milhares de verbetes que constam ali. Como dissemos, a versão impressa foi coordenada por Daisi Malhadas, Maria Dezotti e Maria Neves (todas as três da UNESP). Além das coordenadoras, compuseram a equipe Adriane Duarte (USP), Anise Ferreira (UNESP), Anna Prado (USP), Cláudia Féral (UNESP), Clóvis Morais (UNESP), Edvanda Rosa (UNESP), Fernando Santos (UNESP), Gilda Starzynski (USP), Glória Onelley (UFF), Jane Oliveira (UEPG), Maria Starling (UFRJ), Nely Pessanha (UFF), Sílvia Damasceno (UFF), Suzanna Mello (UFRJ) e Tereza Barbosa (UFMG). A versão digital dependeu do trabalho das professoras Anise Ferreira e Maria Dezotti. Todos que estudamos grego em português somos, de algum modo, discípulos destas mestras. Ainda bem…
REFERÊNCIA
MALHADAS, Daisi; DEZOTTI, Maria Celeste Consolin; NEVES, Maria Helena Moura. Dicionário grego-português. 2ª edição. Cotia, SP: Ateliê Editorial; Araçoiaba da Serra, SP: Mnema, 2022.
SOBRE O AUTOR
Luiz Carlos André Mangia Silva é professor associado da UEM. Pesquisa e traduz poesia helenística (epigrama) e romance grego (Dáfnis e Cloé, de Longo de Lesbos).