VIDEOPOEMA
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"Por livrar-se da dor" (Antologia Grega, Livro 6, 200)
A Antologia Grega (chamada também Palatina) é a maior coletânea de epigramas gregos de todos os tempos. Ela guarda em dezesseis livros mais de 4 mil poemas de mais de uma centena de poetas de lugares e épocas diferentes, da Antiguidade ao século X. A coletânea tem por base importantes antologias antigas, como a de Meleagro de Gádara (I a.C.), Filipe de Tessalônica (I d.C.) e Agatias de Mirina (VI d.C.). Na antologia de Meleagro estiveram coligidos os mais importantes epigramistas gregos e dela deriva o poema traduzido aqui.
O Livro 6 da Antologia Grega abriga 358 epigramas de tema votivo ou dedicatório. São poemas endereçados aos deuses, pedindo ou agradecendo por uma graça alcançada, acompanhando o objeto dedicado. A situação é, via de regra, fictícia: o suplicante finge realizar a ação e ofertar o objeto ao deus. Sabe-se, contudo, que muitos destes poemas foram motivados por seu contexto específico, borrando assim a fronteira entre o apenas literário e o histórico.
O poema apresentado no vídeo pertence a Leônidas de Tarento (III a.C.), importante epigramista helenístico que compôs pouco mais de uma centena de peças. O epigrama 200 coloca em cena os ex-votos da parturiente Ambrósia, que dedica uma veste e um adorno, objetos de sua feminilidade, à deusa Ilítia que, como Ártemis, protege as grávidas. A razão da dedicatória é o êxito no parto, ocasião em que ela pode parir gêmeos. A poetisa Nóssis da Lócrida (III a.C.) também tematiza o parto (e suas dores) em videopoema já publicado por nós alhures (clique aqui).
O epigrama é composto de dois dísticos elegíacos, par de versos gregos que combina um hexâmetro e um pentâmetro datílicos (predominância da sequência silábica longa breve breve). Na tradução, utilizei decassílabos, exceto no v.4, em que temos um hexassílabo ou heroico "quebrado". Usei a acentuação sáfica (tônicas as sílabas 4, 8 e 10, como nos v.2, v.3 e v.5), menos no v.1, em que é heroica (6 e 10). Não mimetizei o número de versos: há quatro no grego, cinco na tradução. Isso porque a tradução exige mais versos, se adotado o decassílabo: o dístico grego tem uma média de 30 sílabas, 15 por verso (sendo o segundo verso um pé datílico mais curto). Ocasionalmente dois decassílabos não bastam mas três excedem - daí o uso de versos curtos, em que mantenho em português o andamento rítmico e compenso o número de sílabas do original. Note que o poema ocorre de um só folego: nos versos gregos, só há pausas de vírgulas e ponto ao final, como na tradução.
A dor do parto (ἐκ τόκου ὠδῖνα, v.1) é apresentada como cruel (πικράν, v.1). Dela, com a ajuda de Ilítia, Ambrósia se viu livre (φυγοῦσα, v.1), ela que, gestando dois rebentos (δισσὸν κῦμ[α], v.4) ao longo de noves meses completos (o poema menciona, literalmente, que ela chegou ao décimo mês, δεκάτῳ ἐνὶ μηνί, v.3), tinha tudo para sofrer terrivelmente na hora do parto. Ela então dedica manto (πέπλον, v.3) e diadema (δεσμά, v.3) à deusa em grata retribuição.
REFERÊNCIA
PATON, William. The Greek Anthology (1-6). London: Harvard University Press, 1993.
SOBRE O AUTOR
Luiz Carlos André Mangia Silva é professor associado da UEM. Pesquisa e traduz poesia helenística (epigrama) e romance grego (Dáfnis e Cloé, de Longo de Lesbos).